Todos os dias aparecem-nos números de novos infetados pelo “novo coronavírus” ou, até mesmo, “casos de Covid-19”. Mas será que os casos que são reportados são realmente todos de infetados? Serão todos casos de Covid-19? O que representam esses números?
Os casos reportados decorrem principalmente de testes PCR (através de zaragatoa) que neste momento estão a ser feitos de modo massivo. Isso pode conduzir a várias limitações.
Condições de aplicação dos testes e alterações das características
As características dos testes- sensibilidade e especificidade– que determinam a probabilidade de falsos positivos e falsos negativos, são calculadas em situações ideais, com amostras hospitalares contendo altas cargas virais.
Quando aplicadas a indivíduos assintomáticos que vivem na comunidade podem ser substancialmente diferentes das características analíticas de base.
“Em ambiente clínico ou comunitário, pode haver amostragem ineficiente, contaminação de laboratório, degradação da amostra ou outras fontes de erro que levarão ao aumento do número de falsos positivos ou falsos negativos”.
Baixa prevalência e aumento de falsos positivos
Outros aspeto que pode fazer aumentar ainda mais o valor dos falsos positivos é a baixa prevalência que existe em muitos países.
Em maio, após ser noticiado no jornal Expresso que em dez testes positivos, a atletas do Vitória de Guimarães e do Famalicão, apenas 2 testes eram verdadeiros e 8 eram falsos positivos. O laboratório (Unilabs) justificou:
“Os testes não têm uma fiabilidade de 100%. “O teste tem 97% de especificidade e 83% de sensibilidade, portanto 3% de falsos positivos, e estamos dentro dessa estatística. Não há erro nenhum, é uma característica do próprio teste”.
Ora então como é possível que um teste com uma taxa de erro base de 3% no cálculo de falsos positivos possa dar justificadamente 80% de resultados errados?
Tal é explicado pela prevalência da doença, ou seja, a percentagem de população infetada. Vamos considerar que existe 0,5% da população que está realmente infetada pelo vírus SarsCov-2 (o valor recentemente estimado em Inglaterra foi de 0,41%).
As características dos testes não são totalmente conhecidos em alguns países, nomeadamente em Portugal. Mas vamos considerar os valores adiantados pelo laboratório citado (que podem não ser universais). Portanto, que têm uma margem de erro de 3% na deteção de casos negativos (gerando falsos positivos) e de 17% na deteção de casos positivos (gerando falsos negativos).
Qual será a probabilidade de um caso positivo ser realmente uma infeção?
À primeira vista pode parecer elevada. No entanto, se levarmos em conta a taxa de base (neste caso, a prevalência do vírus na comunidade) os cálculos são mais complexos.
Para simplificar vejamos o seguinte quadro ilustrativo.
Caso fossem efetuados 30 mil testes aleatórios à população teríamos :
- Quase 900 falsos positivos (895,5) para cerca de 28954,5 verdadeiros negativos (e 124,5 verdadeiros positivos para 25,5 falsos negativos)
Ou seja, neste caso apenas 12% dos casos detetados seriam positivos verdadeiros. Os restantes seriam falsos positivos. Os falsos negativos representariam 17%.
A utilização tradicional do teste, centra-se em pessoas com sintomas e fortes indícios da doença parte de uma elevada probabilidade base, assim as margens reduzidas de erro dos testes para falsos positivos acabam por ser pouco significativas. Com as novas estratégias ou até a livre testagem pela população (como acontece em Portugal), como a probabilidade base é muito reduzida, o número de falsos positivos pode ser significativamente maior.
Para perceber melhor o fenómeno da taxa de base veja este exemplo.
Os casos positivos serão infecciosos?
Outra questão igualmente crítica é saber se mesmo os verdadeiros positivos são infecciosos e se os testes PCR são um método de diagnóstico fiável.
O próprio inventor do vírus, prémio nobel em 1993, alertou para a má interpretação dos resultados dos testes PCR:
“ O PCR é apenas o processo usado para fazer muito de uma coisa, de uma coisa. Mas não te diz se estás doente e não te diz que o resultado que aparece te vai causar algum dano ou algo do género.”
“ Com o PCR, se o fizeres bem, podes encontrar quase tudo em quase qualquer pessoa… Não é uma estimativa, é realmente uma coisa quantitativa, diz alguma coisa sobre natureza e sobre o que lá está mas permite a partir de uma quantidade realmente minúscula de qualquer coisa e torná-la mensurável e depois falar dela em conferências, etc. Como se fosse importante.”
Atualmente as críticas continuam a recair não sobre o teste em si, que até tem melhorado em termos de fiabilidade, mas sobre a sua utilização indevida.
A questão do limite dos ciclos aborda exatamente este problema. As orientações da OMS, consideram o limite de 50 ciclos de ampliações. Mas será esse um procedimento adequado para detetar casos infecciosos?
Se estão a ser utilizados mais ciclos que os “razoáveis” estaremos a encontrar, de facto, fragmentos do vírus mas muito provavelmente inativos e incapazes, por isso, de infetar.
Estudos sobre a infecciosidade de casos positivos
Para perceber se os vírus detetados em testes positivos estavam, de facto, ativos, o Centro de Medicina Baseada em Evidências da Universidade de Oxford reviu evidências de 25 investigações. Nesses estudos, as amostras de vírus de testes positivos foram colocadas em placas de Petri para ver se se desenvolviam. A generalidade dos resultados indica que existe uma forte relação entre o limite de ciclos usado para se tentar detetar o vírus e a infecciosidade efetiva.
Vários outros estudos apontam nessa direção. Numa revisão de 79 estudos desde o início dos sintomas, concluiu-se que o RNA do SARS-CoV-2 se pode manter nas vias respiratórias até 83 dias mas que a duração do vírus viável é relativamente curto, no máximo 8 dias a partir dos sintomas iniciais. Noutro estudo não foram encontrados crescimentos nas amostras virais quando os ciclos foram superiores a 24 e quando os sintomas ocorreram há mais de 8 dias. Outras investigações parecem apontar nesse sentido.
Estes resultados devem ser considerados com alguma reserva. Alguns não estão revistos por pares e podem apresentar algumas imprecisões por se basearem em parte em relatos. No entanto, revelam alguma consistência nos resultados.
Em Portugal a quarentena/ isolamento dos assintomáticos (ou com sintomas leves) também foi reduzida de 14 para 10 dias, o que representa o reconhecimento de que a probabilidade de contágio após alguns dias é muito reduzida ou nula.
O professor Heneghan (Universidade de Oxford) concluiu que a infecciosidade diminui acentuadamente a partir do oitavo dia mesmo em casos de elevada carga viral e a probabilidade de ainda serem contagiosos é reduzida. No entanto, segundo o investigador “Depois do oitavo dia, ainda se podem encontrar os fragmentos de RNA”
De recordar que foi o professor Heneghan a detetar graves irregularidades nas contagens de mortes associadas à Covid-19 no Reino Unido, o que levou mesmo a uma revisão do processo de registo das mesmas e a uma redução substancial do número considerado até então.
Neste caso, ele e outros investigadores poderão também ter identificado um grave problema na forma como a aplicação e a interpretação dos resultados está a ser feita.
“Alguns estudos relataram até 70 dias de queda intermitente. Pode-se perceber a importância disso, porque o que se quer fazer é encontrar aqueles com infecção ativa e não aqueles com fragmentos de RNA.”
Artigos como o do New York Times ou investigações da imprensa belga citam igualmente outros especialistas alarmados com o facto de se estarem a considerar muitos casos como sendo infeções quando na realidade têm poucas (ou nenhumas) possibilidades de o serem.
Segundo informação recolhida junto do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), a maioria dos testes em Portugal contempla 40 ciclos de amplificação. Muito acima do valor considerado adequado para se poder considerar um resultado positivo como infetado.
Num próximo artigo abordaremos a questão da relação entre os casos detetados e a mortalidade para tentar perceber se os números reforçam, ou não, a possibilidade de estarmos a interpretar mal o que é um caso covid-19.
*Artigo realizado em colaboração com Tiago Pimentel.